Heróis da resistência


Fiz um rápido test-drive com a
L-200 Super Production de Reinaldo Varella campeão de provas de Rali.

Deu para sentir na pele o que deve ser difícil competir na super categoria Cross Country.



"Todo o charme desaparece quando colocamos a balaclava, o macacão anti-chamas e nos sentamos a meio palmo do chão.A suspensão de um carro de corrida é muito mais dura que a de um carro esportivo comum. A temperatura dentro do cockpit aumenta de acordo com o número de voltas. Às vezes há fumaça e as emendas da pista fazem as costelas doerem a todo tempo. A visão é prejudicada pelas linhas aerodinâmicas e você tem de usar tampões de algodão nos ouvidos para não ficar surdo. A pequena alavanca de câmbio,assim como os pedais , não são macios e o volante nos dá socos nos braços.
È ganhar e perder. Muitas vezes ganhamos bolhas nas mãos e dores musculares e quase sempre perdemos alguns quilos durante a corrida”

Esse depoimento, de um famoso piloto da década de 70, acabou tirando do
pódium de minha fantasia e da de muitos outros jovens dessa epoca, a ideia de que,pilotar um daqueles bólidos era tão e sòmente prazeiroso.

Lembrei disso novamente ao ver, depois de alguns anos, a dificuldade de Airton Sena em levantar a sua taça no pódio no Grande Premio do Brasil que acabara de vencer em uma de suas memoráveis conquistas.Estava totalmente exaurido e cheio de dores.

E não poderia deixar de lembrar mais uma vez agora . Estava à frente de uma campeã do Cross Country Nacional, a pickup Mitsubishi L-200, categoria Super Production da dupla Reinaldo Varella e Marcos Macedo.


Para quem não sabe, Cross Country é a categoria mais áspera do automobilismo internacional.Um rali de velocidade que corre praticamente em trilhas e estradas vicinais de terra, sem qualquer preparação para competições, desertos e dunas. Os veículos são protótipos derivados de utilitários e caminhões.As provas podem durar até dez dias, como o caso do Rali dos Sertões e Dakar, com especiais diárias com centenas de quilômetros de buracos, pontes, poeira,valetas e lombadas. Nada parecido com um fórmula 1 ou carro de turismo, mesmo dos antigos. Bem pior!

A visão dessas máquinas coloridas não atenua qualquer comparação.
São altas do chão, usam pneus grandes de perfil alto e desenho agressivo e são despojadas de qualquer indício de itens de conforto.
Tubos de aço soldados rebuscam o interior completo dos veículos, de forma a criar uma super gaiola de proteção, já que por onde correm jamais existirá um guard rail ou áreas de escape.

Começamos pela L-200 de Varella. Aparentemente é como uma L-200 “normal”, um pouco mais alta e sem vidros na traseira. Um exame mais próximo mostra que de original não sobrou quase nada.

Toda sua carroceria, exceto a estrutura da cabine foram refeitas em fibra de vidro. inclui- se a caçamba completa que , ao invés da tampa tradicional é fechada apenas por uma rede de material sintético, pára-lamas, portas e todo o conjunto frontal.
O chassis original se mantém, uma exigência do regulamentos, que diferencia a categoria Super- Prodution dos Protótipos. Mas sobre ele um sem número de reforços e colunas tubulares alicerçam a estrutura principal do carro, adentrando a cabine e demais partes internas não só para garantir a proteção da tripulação mas também para absorver os enormes impactos e torções sofridos nesse off road intenso e em alta velocidade.

O painel original e bancos desaparecem nessa versão Mad - Max da Mitsubishi dando espaço à dois bancos de competição com cintos de cinco pontas e um rústico painel central com todo o estritamente necessário para os comandos,chave geral e relógios.No lado do navegador pronunciam-se equipamentos de medição e Gps, sempre em duplicata, rádio comunicação. Grossos tubos anelados de plástico passeiam por dentro da cabine para ajudar na ventilação interna, providenciada por um sistema de ar condicionado, cujos enormes radiadores e ventoinha são colocados no interior do que seria a caçamba original.Na parte traseira da cabine a estrutura tubular deixa pouco espaço, que é utilizado para bolsas de utilidade, ferramentas , macaco e extintores de incêndio, tudo bem fixo e protegido.Na caçamba, o pouco espaço restante é utilizado para enormes filtros de ar,dois ou até três estepes e esteiras rígidas de fibra de vidro para desatolamentos .
Mecanicamente a L-200 conta com um motor turbo diesel intercooler 4 cilindros, 2.477 cm com cerca de 180 cv, cambio de 5 velocidade originais, assim como a caixa de transferência e diferenciais. Nada aí pode ser diferente das características originais, a não ser pequenas alterações de débito da bomba de injeção e pressão do turbo, sistemas de refrigeração do motor e filtragem. Já no sistema de suspensão há alterações importantes, como a adoção de molas especiais e amortecedores duplos a gás com reservatórios para uso pesado. Os pneus, da linha Scorpion fornecidos pela Pirelli são do tipo Mud, mas também contam com algumas características de construção, principalmente da carcaça ,alteradas e reforçadas com cintas de aço.


Uma academia a 200 km /h

Entrar no carro já é uma dificuldade pois uma grossa barra tubular de proteção atravessa diagonalmente o espaço de entrada da porta. Tenho que passar por cima dela e cair, literalmente encaixado no banco concha.As regulagens desses bancos só podem ser feitas através de parafusos mas mesmo assim consegui me posicionar a contento. Cintos atados e não sobra quase espaço para respirar.
Acionado o motor pode se perceber que estamos em um veículo de competição.O barulho enche o interior da cabine.e pode ser percebido, mesmo com o uso do capacete. A visão para trás simplesmente inexiste.Engatamos a primeira e aceleramos. Ela é curta e poderosa. O motor acaba logo.Aprendo que, ao contrário dos motores á gasolina , os diesel não devem ser “esticados”, pois possuem bastante torque e melhor aproveitamento em rotações médias.Depois disso tendem a flutuar esem acrescentar mais potência.
O ruido interno aumenta, agora incrementado por barulhos oriundos da estrutura tibular em contato com as partes de fiberglass. A sensação é de estarmos se locomovendo dentro de um guarda-roupas motorizado e só com os cabides.
Engato segunda e depois terceira. Na primeira lombada já tenho que tatear a alavanca de câmbio. Tudo treme e me agarro ao volante, Agora o termo é chacoalhar violentamente. O cinto apertado, o assento pouco almofadado e a dureza da suspensão fazem com que eu já não saiba o que é céu e terra. Aprendo mais uma do off road. Nesses carros de rali, quanto mais rápido você andar, menos você sentirá as imperfeições do terreno. Depois de algum tempo tomo mão do meu caminho.
È impressionante a diferença quando se perde o medo de acelerar. Realmente se esquece do barulho e se perde o medo de encarar as dificuldades, A L-200 não se esquiva, apenas enfrenta e passa seguramente sobre aquele chão cheio de pedras, depressões e erosões.Um verdadeiro tanque de guerra em resistência. A traseira parece solta, escorregando nas partes mais arenosas.
Lembro-me que não havia engatado a tração nas quatro. Faço isso, mesmo em movimento e a coisa ainda melhora. Incrível como em 4X4 todos estes deslizes desaparecem, tornando o carro muito estável em toda essa instabilidade.Agora a tendência é a frente sair nas curvas. O negócio é antever a curva, apontar alguns metros antes e frear com antecedência. O carro entra meio torto e o remédio é acelerar para arrumar a casa. E assim vai. Penso que poderia passar horas ali sentado, dias, testando cada alteração da pista, cada curva nova.
E é esse a grande atração do Cross Country. Cada metro um desafio, uma novidade a se vencer, nada de monotonia.
Quando tudo já parecia perfeito fui sinalizado a parar. Havia, naqueles poucos minutos aprendido muito, mudando meu conceito a respeito daqueles carros e daquelas corridas..Além da técnica ser muito específica, correr na terra com esses equipamentos é também muito divertido.

Quase mudei de idéia antes de sair da L-200.Meu corpo todo doía , como se tivesse apanhado,um pouco de adrenalina demais e alguns músculos despertados. Agüentar seis a oito horas diárias no Rali dos Sertões?
Além do carro, a resistência física dos tripulantes também é um atributo altamente necessário. Há pilotos que têm seu rendimento subtraído pelo cansaço a ponto de tirarem o pé por pura falta de energia e concentração. Navegadores aumentam sua incidência de erros nas informações e o stress da quilometragem pode até causar discussões e brigas dentro dos carros. Coisas de Rali? Coisas de Rali... Nada fácil.
È preciso ser especial, não apenas um piloto, um navegador.
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